segunda-feira, agosto 07, 2006

Obrigada João

Por mais tempo que tivemos, a verdade é que não estava preparada para perdê-lo. Quando o celular tocou às 7:30 da manhã, eu sabia. Saber e acreditar são coisas diferentes. Enquanto ligava para outros, enquanto esperava no INCOR pelo serviço funerário, enquanto me preocupava se o Fred ia comer, eu apenas sabia. Entrar no salão nobre da FFLCH e vê-lo ali, só então acreditei. Sinceramente, não quero acreditar, mas não posso negar.

Para o Brasil, para a USP, para muitos João foi um dos maiores críticos literários desse país. Para mim, ele foi um avô perfeito. Eu tinha 10 anos quando o conheci. Era uma pirralha metida que se achava adulta. João me adotou como neta de todo o coração. Nós ficávamos em sua biblioteca e ele me contava a história de cada cachimbo, mostrava sua coleção e livros com os quais eu nem sonhava. Aquele cômodo foi meu paraíso. A poltrona de couro, os cachimbos e muitos, muitos livros. Pode parecer estranho uma criança de 10 anos achar uma biblioteca o céu, mas isso criou uma empatia imediata entre nós.

Eu amava ouvir suas histórias, suas mentiras (João foi agente do FBI, sabiam?) e principalmente sua voz. Não há nada no mundo tão confortante quanto a voz grave de João. Eu podia ouvi-lo por horas. E fiz isso. Aproveitei ao máximo 13 anos com ele. Não consigo expressar a gratidão que sinto. Não é qualquer um que aceita a filha de sua nora como neta. Sempre senti o carinho que ele tinha por mim. Espero que ele tenha sentido o carinho e amor que sinto por ele.

Conforme cresci, aprendi que João era excepcional. Ele, tão importante, tão inteligente, tinha o maior coração desse mundo. João era meu ídolo. Quando entrei na letras, logo no final do primeiro semestre, João deu uma palestra comemorativa dos 50 anos do departamento de teoria literária. É claro que eu estava na primeira fileira. Após a palestra, João me apresentou a todos os professores como sua neta. Ele dizia isso com tanto orgulho e eu pensava (penso até hoje) que o orgulho era meu. Eu que tenho que agradecer. Agradecer por ser um avô maravilhoso, agradecer por me aceitar com tanto carinho como se eu fosse mesmo sua neta de sangue, agradecer por todas as lições que me ensinou, por todas as conversas que tivemos, por todas as histórias de FBI e Arthur Conan Doyle. Principalmente, por ser meu avô.

Obrigada João. Eu te amo muito.

Duas coisas me consolaram no velório.

A primeira foi ver o amor e respeito de tantos. João amava aquela faculdade e eu pude ver o quanto aquela faculdade o amava. Todas as coroas de flores, as homenagens e o pesar de tantas pessoas. João ficaria feliz pelo reconhecimento e carinho.

A segunda foi a presença de meus amigos. Mário, Babi, Dri, Paula, Luana, nos conhecemos há pouco tempo, mas foi muito importante o apoio de vocês. Nunca pensei que conheceria novas pessoas tão maravilhosas, com quem sei que posso contar. Tchelo, Cayube e Dani, vocês são incríveis. Tantos anos de amizade e sempre estiveram comigo nos momentos difíceis. Sou uma felizarda. Tenho amigos, novos e velhos, maravilhosos. E tive o melhor avô que poderia pedir aos céus.

4 comentários:

Unknown disse...

muito lindo isso... mesmo
=*

ZINE QUA NON disse...

Elis, você é uma pessoa especial, sabia!
Quem te conhece, nem que seja por pouco tempo como nós, passa a te amar com facilidade.
Querida nova amiga, conte comigo sempre que precisar e lembre sempre que você nunca ficará sozinha, dependendo de nós.
Beijos

Anônimo disse...

Só pessoas especiais podem ser adotadas por pessoas especiais.

Bjs

Marx

Anônimo disse...

Elis,
linda homenagem a sua. Tenho certeza que João é, porque pra mim as pessoas continuam sendo, muito agradecido por ter sido presenteado com uma neta como vc.
E reforço o que a Paulinha disse, no que depender de nós, vc sempre terá nossa companhia.
Beijos de quem já te ama muito,
Babi!