quinta-feira, julho 27, 2006

DITADURA DA POPULARIDADE

Frederico Barbosa

O povo está no poder: dita.

É mercado, é opinião sem face. É a miséria da popularidade.

São padres cantantes, moças na dança. Leve a música e o gesto leve,

crença, bunda e sabonete.

As pesquisas ditam. Mandam: o povo está sempre certo. O povo é,

o povo quer, o povo demanda, o povo reclama.

Mandam: seja apenas a mesma merda que o povo ama.

Mandam: seja aeromoça na vida. Sorria sempre: bailarina medíocre.

Faça-se média. Desconsidere-se.

Não pense, nunca faça pensar,

não seja irônico, diga só o que querem: ouvir-se no espelho da mesmice.

Deixe-se xingar, entregue-se, venda-se de corpo e alma. E, acima de tudo, calma:

nunca reclame (des)contente(-se) e cale-se.

Crie-se como imagem, (vazio marcante) marque-se, migalhe-se, seja só o velho,

espalhe-se farelo.

Anule-se: anúncio refrescante, seja refrigerante anta ante.

Ensinam assim: como quem hoje canta. Bajule, puxe, seja banal.

Pule, grite, apague-se nas luzes. Transforme todo som

poema problema em apelo sexual.

Apele: salve sua pele.

Medalhões, pomadas.

(Machado vendo antes)

Palhaços, patetas, enganadores,

falsos magos, pseudopoetas,

professores:

Uni-vos no segredo do bonzo.

O povo julga, joga

pedras, o povo

é sábio, sabe:

quem planta pérolas

colhe tempestade.

quarta-feira, julho 19, 2006

É um pássaro. É um avião. Mas não é o Superman.

(Contém Spoilers do Filme)

Superman returns alcança um feito histórico. Ser um dos piores filmes feitos por Hollywood e ninguém notar. Seus defeitos estão em diversos planos. Desde a ideologia por trás da história até a caracterização do personagem.

Superman é um personagem icônico. Ele sempre encarnou o lema “Truth, Justice and the american way”. Por isso, sempre foi também o personagem mais raso da editora DC comics. Compará-lo com o Batman é até vergonhoso. Contudo, o “American Way” é agora seu principal defeito. A ideologia defendida pelo filme é que a América (ou o mundo) precisa de um salvador. Alguém poderoso para tomar as decisões por nós. Se o artigo pelo qual Lois Lane ganha o pullitizer é “Porque o mundo não precisa de Superman”, o filme faz questão de mostrar que o mundo precisa sim. Após uma ausência de cinco anos, o kriptoniano volta a Terra. E fica claro que o 11 de setembro nunca teria ocorrido se ele estivesse aqui. Uma cena bastante longa mostra Superman sendo ovacionado pelo público em um estádio de Baseball. Se olhada com cuidado, o herói não apenas se sente bem com tais saudações, como parece encorajá-las. As saudações em si são particularmente simbólicas. É quase um cumprimento fascista. Superman simboliza nesse filme o poder americano de salvar o mundo, de guiá-lo e dominá-lo, por que não?

Muitos críticos levantaram o fato de que a metáfora cristã está presente no filme. Ela não apenas está no filme, mas o roteiro é praticamente um plágio da história de Cristo. Todos os elementos estão lá. A comparação com Deus. O pai, o filho perdido na humanidade, o sacrifício, a morte (na posição da crucificação) e 3 dias depois a ressurreição. Superman é Cristo. E se Superman é Cristo, então a salvação é o “American Way”. Não há sutileza. A analogia é direta. Uma cena resume a pobreza do roteiro: Lois Lane cochicha no ouvido de Superman em coma. Ele acorda pouco depois. Viver só vale a pena quando se tem um filho, segundo o filme.

Outra coisa que não é surpresa é a origem do filho de Lois Lane. Em nenhum momento acreditamos que aquele menino é filho de um humano. Sabemos instintivamente que será revelado que ele é filho de Superman. Aqui começa o absurdo entre quadrinhos e filme. Não sou daquelas que defende a fidelidade total aos quadrinhos. Estamos tratando de mídias diferentes e adaptações/ modificações são necessárias. Só que dar um filho ao Superman é um absurdo. Primeiro por causa da mística do personagem. Kal-El é o último filho de Kripton. Por mais que tenha sido criado por humanos, sempre será diferente e solitário. Criar uma família sanguínea para ele é arruinar a pouca complexidade que o personagem possui. Existe a impossibilidade física certamente. Sempre foi claro em todas as revistas, séries de TV e filmes até agora que o DNA do personagem é incompatível com o DNA humano. E nenhuma mulher nesse mundo seria capaz de gerar um filho dele. Apenas uma revista em toda a saga do Superman mostra uma filha dele: “Batman, Cavaleiro das Trevas II” de Frank Miller. Essa filha é fruto do relacionamento do herói com a Mulher-Maravilha, forte e inumana para carregar tal criança.

Em 1972, um escritor de quadrinhos publicou uma história chamada “Deve existir um Superman?”. A obra marcou a mitologia do personagem e gerou outras histórias contestadoras. Basicamente a premissa é a mesma que o filme propõe com o artigo de Lois. Contudo, o desenvolvimento e a resposta são completamente diferentes. A existência de um Superman, um salvador, atrasa o desenvolvimento social humano? O protetor da humanidade atrapalha a evolução de nossas sociedades? São questões fortes. Alguém com tanto poder não pode não fazer nada, seria covardia. Contudo, resolver os problemas pode ser mais prejudicial ainda. Até que ponto o homem deixaria outro ser tomar suas decisões e resolver seus problemas? Ao se apoiar num salvador, o homem deixa de viver. A Terra deixa de ser sua. Isso é muito bem retratado em outra história “O Reino de Amanhã” de Mark Waid. Se Superman sumir, ele está correndo da responsabilidade, mas também não pode assumir o manto de salvador. No fim das contas, a decisão deve sempre ser humana e coletiva.

Enquanto um filme como esse colocar na cabeça das pessoas que precisamos de UM homem poderoso para salvar a humanidade, seja um político, seja um messias, o mundo continuará sob o poder de poucos e caminhando para a destruição. Temos que esquecer o salvador, o messias. Podemos ajudar. Aqui está a grande vitória de outros heróis como o Batman. São heróis humanos, excluídos, que lutam contra injustiças diárias. Eles não estão aqui para salvar o mundo. No plano geral, o mundo só pode ser salvo pela própria humanidade.