quarta-feira, julho 19, 2006

É um pássaro. É um avião. Mas não é o Superman.

(Contém Spoilers do Filme)

Superman returns alcança um feito histórico. Ser um dos piores filmes feitos por Hollywood e ninguém notar. Seus defeitos estão em diversos planos. Desde a ideologia por trás da história até a caracterização do personagem.

Superman é um personagem icônico. Ele sempre encarnou o lema “Truth, Justice and the american way”. Por isso, sempre foi também o personagem mais raso da editora DC comics. Compará-lo com o Batman é até vergonhoso. Contudo, o “American Way” é agora seu principal defeito. A ideologia defendida pelo filme é que a América (ou o mundo) precisa de um salvador. Alguém poderoso para tomar as decisões por nós. Se o artigo pelo qual Lois Lane ganha o pullitizer é “Porque o mundo não precisa de Superman”, o filme faz questão de mostrar que o mundo precisa sim. Após uma ausência de cinco anos, o kriptoniano volta a Terra. E fica claro que o 11 de setembro nunca teria ocorrido se ele estivesse aqui. Uma cena bastante longa mostra Superman sendo ovacionado pelo público em um estádio de Baseball. Se olhada com cuidado, o herói não apenas se sente bem com tais saudações, como parece encorajá-las. As saudações em si são particularmente simbólicas. É quase um cumprimento fascista. Superman simboliza nesse filme o poder americano de salvar o mundo, de guiá-lo e dominá-lo, por que não?

Muitos críticos levantaram o fato de que a metáfora cristã está presente no filme. Ela não apenas está no filme, mas o roteiro é praticamente um plágio da história de Cristo. Todos os elementos estão lá. A comparação com Deus. O pai, o filho perdido na humanidade, o sacrifício, a morte (na posição da crucificação) e 3 dias depois a ressurreição. Superman é Cristo. E se Superman é Cristo, então a salvação é o “American Way”. Não há sutileza. A analogia é direta. Uma cena resume a pobreza do roteiro: Lois Lane cochicha no ouvido de Superman em coma. Ele acorda pouco depois. Viver só vale a pena quando se tem um filho, segundo o filme.

Outra coisa que não é surpresa é a origem do filho de Lois Lane. Em nenhum momento acreditamos que aquele menino é filho de um humano. Sabemos instintivamente que será revelado que ele é filho de Superman. Aqui começa o absurdo entre quadrinhos e filme. Não sou daquelas que defende a fidelidade total aos quadrinhos. Estamos tratando de mídias diferentes e adaptações/ modificações são necessárias. Só que dar um filho ao Superman é um absurdo. Primeiro por causa da mística do personagem. Kal-El é o último filho de Kripton. Por mais que tenha sido criado por humanos, sempre será diferente e solitário. Criar uma família sanguínea para ele é arruinar a pouca complexidade que o personagem possui. Existe a impossibilidade física certamente. Sempre foi claro em todas as revistas, séries de TV e filmes até agora que o DNA do personagem é incompatível com o DNA humano. E nenhuma mulher nesse mundo seria capaz de gerar um filho dele. Apenas uma revista em toda a saga do Superman mostra uma filha dele: “Batman, Cavaleiro das Trevas II” de Frank Miller. Essa filha é fruto do relacionamento do herói com a Mulher-Maravilha, forte e inumana para carregar tal criança.

Em 1972, um escritor de quadrinhos publicou uma história chamada “Deve existir um Superman?”. A obra marcou a mitologia do personagem e gerou outras histórias contestadoras. Basicamente a premissa é a mesma que o filme propõe com o artigo de Lois. Contudo, o desenvolvimento e a resposta são completamente diferentes. A existência de um Superman, um salvador, atrasa o desenvolvimento social humano? O protetor da humanidade atrapalha a evolução de nossas sociedades? São questões fortes. Alguém com tanto poder não pode não fazer nada, seria covardia. Contudo, resolver os problemas pode ser mais prejudicial ainda. Até que ponto o homem deixaria outro ser tomar suas decisões e resolver seus problemas? Ao se apoiar num salvador, o homem deixa de viver. A Terra deixa de ser sua. Isso é muito bem retratado em outra história “O Reino de Amanhã” de Mark Waid. Se Superman sumir, ele está correndo da responsabilidade, mas também não pode assumir o manto de salvador. No fim das contas, a decisão deve sempre ser humana e coletiva.

Enquanto um filme como esse colocar na cabeça das pessoas que precisamos de UM homem poderoso para salvar a humanidade, seja um político, seja um messias, o mundo continuará sob o poder de poucos e caminhando para a destruição. Temos que esquecer o salvador, o messias. Podemos ajudar. Aqui está a grande vitória de outros heróis como o Batman. São heróis humanos, excluídos, que lutam contra injustiças diárias. Eles não estão aqui para salvar o mundo. No plano geral, o mundo só pode ser salvo pela própria humanidade.

2 comentários:

Garofalo disse...

Oi Elis, como vai? É o Sapo. Não vi o filme ainda, e se o fizer acho já vou detestar pelo seu artigo. Mas eu gostei muito. Sabe, por esses dias (depois de muito Dostoiéviski) eu estava pensando no por que do Comunismo precisar matar Deus, por que pregar o ateismo, cheguei a mesma conclusão que você no final do artigo. Se não matarmos nosso salvador nunca seremos realmente responsáveis pelo mundo. Ai é fácil continuar desviando de mendigos na praça da Sé. Precisamos conversar mais sobre essas coisas. Vamos nos falar???

Anônimo disse...

Olá Elis. estava lendo esse seu artigo... bem, por um lado voce está certa. mas por outro, Porque o mundo precisa do Superman? bom, acho que porque enquanto ele estiver sempre por aí o imaginário popular se encarregará de fazer com que, pelos menos por alguns instantes, a realidade dê lugar à fantasia. e, todos sabemos que, estamos precisando de um pouco de fantasia...do mundo irreal...
bom, qq coisa meu email é luschtq@hotmail.com
as vezes meu comentário nao pode ser levado como tal, pois, sou fanático pelo superman, e o seriado smallville...rs