quarta-feira, agosto 25, 2004

Despertador


estação sumaré


O alarme continua tocando, mas já o desliguei.... o som... é minha cabeça doendo, em ondas, como o barulho do relógio. Cambaleante, eu levanto em direção ao banheiro. A dor é ignorada toda manhã. Qualquer noite de sono com menos de cinco horas, interrompida tão abruptamente significa uma cabeça latejando. E quase todas as noites são assim. Arrumo-me no automático, sem consciência do processo. Em vinte minutos estou na cozinha, engolindo dois comprimidos para a dor e saio. A cidade caótica me recebe com suas ruas engarrafadas. São outros tantos acordados para o mal-humor. O sono prejudica os reflexos. Não chego a bater, mas cometo imprudências. Todos cometem.


Hoje, como toda Quarta, é meu rodízio. Começa às sete. São seis e meia da manhã e a cidade já está congestionada. Odeio acordar tão cedo. Me sinto na escola de novo. Só que agora, sou eu que preciso dirigir pelas avenidas esburacadas e escapar de motoristas loucos. O rádio do carro me diz bom-dia. Notícias. Mais um aumento de combustível. Era para o carro facilitar minha vida. Já dependo dele e, com isso, meu dinheiro escorre para os postos de gasolina. Uhm, outro atentado em Israel. Chamam terrorismo. Aquilo já é a guerra civíl mais longa da História. Troco de rádio. Melhor ouvir uma música. Dez pras sete. Se não chegar logo, recebo uma multa.

Escritório. Ainda é muito cedo. Só entro às oito. Desço para tomar um café.

- Preto, puro. E um pão na chapa.

Outros na padaria olham para suas xícaras. Quase ninguém fala. A cidade está matando o espírito de muitos. Trabalhos mal remunerados e exaustivos. Deveria ter comprado o jornal. Não agüento olhar para o nada. Contato visual pode ser insultante a essa hora da manhã. Pago a conta e passo na banca. Tenho uns vinte minutos antes do expediente. Entro na sala e começo a ler as notícias. São sempre as mesmas. O chefe é o primeiro a chegar. Vem me ver no escritório. Os prazos finais atrasados, RH confuso, faltou algo na apresentação, cliente novo, cliente velho, tudo sempre igual, tudo sempre caótico.

Outros funcionários, ordens e stress. Bato os olhos sobre a foto na mesa. Praia. Que saudade do horizonte. Nessa cidade só vemos prédios. Não importa. Se tudo der certo volto pra praia no fim do ano. Esse pensamento me anima. Hora do almoço. Não dá para descer e comer em paz. Tenho de terminar um projeto. Pego o telefone. O número do delivery decorado, o pedido também. Se pudesse, pediria um doce. Não, apenas uma salada e um filé de frango grelhado. Mais um dos prazeres humanos alterado pela sociedade e pela mídia. Deveria ter nascido homem. Não, não seria melhor, eles também são cobrados.

Durante a tarde a loucura continua. O cansaço aumenta. São quase cinco. Mais uma hora e posso voltar pra casa. O chefe entra.

- Regina, o projeto está pronto?

- Está sim, senhor.

- Ótimo. Eles querem ver ainda hoje. Leve até lá e faça uma boa apresentação. Precisamos dessa conta.

- Agora? Estou de rodízio.

- Dá um jeito.

Ele sai. Droga! Se pegar um táxi atraso por causa do trânsito. Além disso, esse muquirana nunca reembolsaria. O jeito é pegar o metrô. Pego a pasta e saio. A estação é próxima. Caminho xingando meu chefe. Ninguém repara. Todos xingam alguém no fim do dia. Entro na estação. Já está lotada. Hora do rush. Na plataforma, as pessoas se empurram para conseguir os melhores lugares. O metrô chega. Três minutos pode ser muito tempo. Empurro os que estão na minha frente, tentando entrar. De repente, alguém me puxa por trás. Caio no chão. Quando olho pra ver meu agressor, era uma velhinha. Até as senhoras são agressivas aqui. Perdi esse. O próximo em três minutos. Fito o relógio da plataforma. Com sorte, consigo chegar antes do fim do expediente. Espero. Meu chefe vai arrancar minha pele se não conseguir.

Outro metrô chega. Dessa vez consigo entrar. Fico em pé, claro. São só 5 estações. Então, ele diminui a velocidade e pára. As luzes apagam e uma voz informa que os trilhos esquentaram demais. Ficaremos uns minutos parados. Seguro a bolsa e a pasta grudadas no meu corpo. Só faltava ser assaltada. Uma criança começa a chorar no vagão. Inferno! As luzes voltam e recomeçamos a andar. Ao chegar no cliente, a secretária me pede para esperar. Sento num sofá e a encaro. Passei o dia todo trabalhando, me fazem sair do escritório e vir até aqui pra esperar. Dez, vinte, trinta, quarenta minutos. A secretária indica o caminho da sala de reuniões. Três homens entram.

Terminada a apresentação, respondo perguntas. Querem alterar algumas coisas. Digo o que é possível alterar sem arruinar o conceito. Discutem entre si, na minha frente, sem ao menos se importarem com minha presença. Fechamos negócio. O contrato será assinado no dia seguinte. Dessa vez irão até o escritório. Saio apenas com um pensamento: casa. Antes preciso voltar ao escritório e falar com o chefe. Aproveito pra pegar o carro. Merda! É rodízio. Ainda falta uma hora pra acabar. Bom, até conseguir chegar lá e falar com o chefe, já deu oito horas.

Depois de acertar tudo no escritório, olho o relógio. Oito e quinze. Já posso ir. No elevador, o acessorista pergunta se eu só trabalho. Cheguei cedo, vou embora tarde.

- Não tenho vida! – respondo.

Pego o carro. O trânsito não está tão ruim. A maior parte sai do trabalho às seis. Volto para a casa vazia. Estou tão cansada que agradeço por não morar com alguém. Tudo que quero é sossego. A empregada passou pelo apartamento. Está limpo e tem comida na geladeira. Sirvo um prato antes de perceber que estou com fome. Ligo a televisão. Nada. Coloco num canal de filmes. Já assisti esse, mas não tem nada melhor. Depois do jantar, tudo que quero é um banho. Tirar a poluição do corpo. Saio revigorada. Acho melhor dormir cedo. Na cama, o cansaço evidente. Contudo, não durmo. A adrenalina que me manteve durante o dia, agora, não me deixa dormir. Minha mente divaga. Penso em praias e férias. Então, algo mais preeminente toma meus pensamentos. As modificações. Levanto e ligo o computador. O trabalho consome as horas. Meia-noite, uma, duas, três. Preciso dormir. Volto pra cama e desabo.

O alarme continua tocando, mas já o desliguei.... o som... é minha cabeça doendo....



Um comentário:

Anônimo disse...

Comecei a ler e não consegui parar. Vindo de quem vem (nargothic), deve ser algo!