domingo, outubro 17, 2004

Os Pilares


Gárgula


Ele nunca tinha visto um lugar como aquele. A imensidão fazia com que se sentisse insignificante. Grandes pilares com nervuras e rendilhados subiam a sua volta para formarem arcos leves e abóbadas quase celestiais. Algo como um esqueleto enfeitado segurava paredes brancas como mármore carrara e grandes vitrais coloridos filtravam a luz. O ar parecia feito de pó mágico dourado. Tudo era lúcido e desenvolto, desde a disposição dos pórticos até o rendilhado do tifório. Do lado de fora, gárgulas, frisos e esculturas santas protegiam o maravilhoso edifício. “Então, aquilo era uma catedral”. Pensou encantado Rafael.

Poderia ficar horas passeando e admirando o lugar. O silêncio o enchia de paz. Era como uma melodia, composta por homens, mas de natureza celeste. Ele quase acreditava em Deus, sentado ali e observando. O lugar estava deserto. Havia um vigia na entrada, porém nenhuma alma viva, além dele, dentro da catedral. Rafael inspirou profundamente e expirou todo o tormento de sua vida. Sua mente vagou por vitrais e arcos, sem se apegar a nada.
Um som de passos ecoou pelo claustro. Firmes, decididos e indiferentes ao espetáculo arquitetônico a sua volta. Rafael sabia quem era. Só uma pessoa conseguia ignorar uma obra de arte daquelas.
-Olá, Ana! – sussurrou Rafael.
-Ah! Ai está você. – ela respondeu no tom normal de voz.- Vamos? Quero tomar um banho antes do jantar.
-Vamos. – disse Rafael desanimado. Ana sempre o puxava para a realidade. Não que esta fosse ruim, mas era atribulada. Ele a amava, mesmo tão realista, tão pouco criativa. Podia sonhar pelos dois. Talvez fosse por isso que estavam com problemas agora.
Ele se levantou e caminhou ao lado dela até o carro. Antes de entrar deu uma última olhada para a igreja.
-Você está bem? – indagou Ana.
-Estou. Esse lugar é tão calmo, não?
-Calmo demais! Tem certeza que não é aquilo que o está incomodando?
-Não, não tenho. Você sabe o que eu sinto sobre esse assunto.
-Sei. Contudo não é um bom momento.
-Para falar sobre isso ou para isso?
-Os dois.
Não disseram mais nada até o hotel. Tinham trabalhado o ano todo para juntar dinheiro para a viagem e, agora, um clima pesado os acompanhavam pelas diversas aldeias, cidades e castelos que conheciam. Eles se arrumaram e perguntaram para a recepcionista por um bom restaurante. O jantar transcorreu sem problemas. Falaram dos lugares que viram, dos lugares que iriam conhecer nos dias seguintes e evitaram a todo custo falar do assunto que dominava suas mentes. Por fim, Rafael não agüentou.
-Precisamos conversar.
-Eu sei.- respondeu Ana, cabisbaixa.
-Por que não pensa na idéia?
-Só falta você falar que as montanhas parecem elefantes brancos!
-Sim, mas estamos com papéis invertidos e isso não é um conto do Hemingway.
-Rafa, você sabia que eu não queria filhos quando casou comigo. Achei que você não quisesse.
-Eu não queria, mas agora quero. Pensei que você mudaria de idéia com o tempo.
-Todo mundo pensa isso. Não sei. Minha carreira. O orçamento, a responsabilidade. Não sou muito maternal, você sabe.
-Não precisa. Temos condições de criar uma criança e posso me dedicar bastante. Trabalho em casa. Posso adaptar meus horários. Você não precisará abrir mão de nada.
-Mas isso muda tudo. Um filho vai alterar nossa vida completamente. Está tão bom do jeito que está.
-Não, não está.
-Por que você quer tanto?
-Não ria.
-Não vou.
-Porque eu te amo. Porque quero um fruto desse amor.
-Não sei. Me deixe pensar no assunto. Não é fácil repensar anos assim.
-Eu sei. Desculpe.
-O que faremos?
-Não sei.
-Nos separar, se eu não quiser ter filhos?
-Não. Eu te amo. Não quero viver sem você. Mas...
-É.
Ficaram em silêncio. Não era o mesmo silêncio que Rafael experimentara na catedral. Esse era tenso, cheio de reflexões e conseqüências. A conta veio. Pagaram e levantaram.
Meses depois, em casa, Rafael pensava naquele dia. A decisão não vinha. O que faria? Deixar a mulher que amava por que seus caminhos e desejos tomaram rumos opostos? Ou abrir mão do que mais queria? Olhou para a tela do computador. Pensaria nisso amanhã. Todavia, dizia isso todos os dias. Adiando o inevitável.
Ana chegou. Estava cansada, mas bela como sempre. Trocaram olhares. Então ela o beijou e disse:
-Eu entendo!

2 comentários:

Anônimo disse...

Belo conto, bela trama. Cinematográfica no sentido de que me fez ir vendo as cenas, uma a uma, à medida que lia.
Gostei muito. Voltarei.Sempre.

Márcia


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Anônimo disse...

e pensar que a carreguei no colo...